David (aos 4 anos e meio) aprendendo a ficar de pé apoiado na prateleira da geladeira

Originalmente postado em Julho 2015
Atualizado em 21 Julho 2021


Cerebelo e caminhada

Demorou cerca de 6 anos para David aprender a ficar em pé e andar. Mesmo assim, a marcha era muito instável. Eu me lembro, se ele estivesse em uma sala e as luzes se apagassem, ele simplesmente cairia. Seu equilíbrio dependia totalmente da visão. Ele ainda não havia aprendido a usar o ouvido interno e o sentido da posição da articulação do tornozelo para manter o equilíbrio. É isso que o cerebelo faz. Ele reúne os três sentidos envolvidos no equilíbrio e faz ajustes rápidos em nossa postura. Poucos animais andam eretos e a maioria dos outros são pássaros. Eles têm asas! Não há dúvida de que David tem problemas com o funcionamento adequado do cerebelo (incluindo convulsões associadas ao cerebelo), mas acabou aprendendo a andar.

Ataxia cerebelar 10 (SCA10) e o gene ATXN10

Ataxia é uma coordenação deficiente, geralmente associada à caminhada. Marinheiros bêbados (e outros) andam cambaleando porque o álcool afeta o cerebelo. Existem muitos genes diferentes que podem afetar gravemente a função do cerebelo e, portanto, o andar. Variantes desses genes produzem um grupo de síndromes denominadas “ataxia espinocerebelar” ou SCA. Genes diferentes causam SCAs diferentes, cada um com seu próprio fenótipo característico. Mutações (apropriadamente chamadas de “variantes patogênicas”) do gene ATXN10 levam a SCA10 (Zu et al., 1999). Esses pacientes apresentam ataxia (marcha deficiente), disartria (fala deficiente) e nistagmo (controle ocular deficiente) – todas funções cerebelares. Muitos indivíduos com SCA10 também têm convulsões. A condição é herdada e encontrada principalmente em famílias latino-americanas (Teive e Ashizawa, 2014). A doença tem início tardio (25 a 45 anos) e começa lentamente. Com o tempo, pode ser totalmente incapacitante.

Este blog é sobre a síndrome de deleção 22q13 (síndrome de Phelan-McDermid, PMS). Metade de todos os indivíduos com síndrome de deleção 22q13 têm deleções maiores que 5 Mb (veja minha postagem Entendendo o tamanho da deleção) e não têm o gene ATXN10. Se eu não soubesse mais sobre o SCA10, ficaria com medo por David. Atualmente, ele tem entre 25 e 45 anos e a SCA10 é uma doença assustadora. No entanto, foi demonstrado que a SCA10 não é causada pela falta do gene ATXN10. Apenas variantes específicas de ATXN10 causam SCA10 (Karen et al., 2010). Essas variantes raras do gene ATXN10 criam uma proteína que ganhou uma nova função (McFarland e Ashizawa, 2012). Este processo é denominado “mutação de ganho de função”. Não se deixe enganar pela terminologia. Nesse caso, o ganho de função é uma coisa ruim. A nova função mata neurônios de Purkinje no cerebelo (Xia et al., 2013).

Melhor

Cerca de 50% das pessoas com síndrome de deleção 22q13 não possuem o gene ATXN10. O impacto da ausência desse gene nunca foi estudado em nossos filhos, mas agora parece que eles estão muito melhor perdendo o gene do que tendo a variante rara encontrada em famílias com SCA10.
Uma observação interessante e relacionada vem do gene SHANK3. Há um crescente corpo de evidências de que algumas variantes do SHANK3 podem ter ganho de função. Modelos de camundongos com mutações SHANK3 sugerem que mutações diferentes fazem coisas muito diferentes. (Observe que os camundongos são geneticamente modificados, portanto, é apropriado chamar o gene modificado de mutação.) Semelhante a esses modelos de camundongos, em humanos, diferentes variantes do gene SHANK3 têm efeitos diferentes. Em muitos casos, as variantes raras de SHANK3 não têm efeito. Existem pessoas na população em geral com variantes do SHANK3 que nunca suspeitarão que seu gene seja incomum. Suas variantes não são patogênicas. Outras variantes do SHANK3 causam deficiência intelectual, transtorno do espectro do autismo ou ambos. Seria útil estudar casos humanos em que todo o SHANK3 está faltando, mas nenhum outro gene. Essa é a melhor maneira de examinar o impacto preciso da falta de SHANK3. Uma vez que entendemos o impacto preciso do SHANK3, podemos desvendar os efeitos complexos de todos os genes da síndrome de Phelan-McDermid. Na verdade, esse é talvez o objetivo mais importante da pesquisa de PMS.

Se quisermos entender a síndrome de Phelan-McDermid, precisamos entender o SHANK3. Infelizmente, não estamos fazendo bom uso de nossos dados disponíveis. Muitos dos estudos que li indiscriminadamente combinam casos de variantes SHANK3 com casos de deleção completa de SHANK3. Essa abordagem ignora as realidades de variantes raras e deleções parciais de genes, conforme explicado acima. Também li artigos em que os autores combinam indiscriminadamente deleções de todos os tamanhos para inferir o impacto de uma deleção de SHANK3, sem levar em conta os impactos de muitos outros genes que contribuem para a síndrome de Phelan-McDermid. Escrevi vários blogs sobre por que essa abordagem não é sólida (consulte PMS, IQ e por que as deleções intersticiais são importantes  e Quais genes de PMS são mais importantes?). O que sabemos é que algumas pessoas com síndrome de Phelan-McDermid sem SHANK3 são mais funcionais do que algumas pessoas com variantes patogênicas raras de SHANK3. Isso sugere fortemente que, em alguns casos, é melhor uma pessoa perder todo o gene SHANK3 do que ter uma variante patogênica específica. Às vezes, perder um gene é melhor.

 

 

 

Andrew Mitz

Andrew Mitz

Neurocientista e pai do David, que tem a síndrome da deleção 22q13 (que nós chamamos de Síndrome de Phelan-McDermid). Andrew é incansável na tarefa de levar, de forma precisa, mas acessível para leigos, conhecimento sobre a Síndrome para os familiares. Ele tem contribuído enormemente com suas ideias e publicações para o avanço do entendimento em PMS.

Esta é uma tradução autorizada pelo autor.
A tradução é de Helen Ferraz, mãe de Luísa, que também tem a Síndrome de Phelan-McDermid.

Link para o post original:
https://arm22q13.wordpress.com/2015/07/01/when-missing-a-gene-is-a-good-thing/
Link para o blog original (Blog arm22q13)
https://arm22q13.wordpress.com/