Presentes do David pelo Dia dos Pais

Postado originalmente em 14 de julho de 2015
Atualizado em 28 de março de 2021


David tem uma deleção terminal do cromossomo 22 causada por uma translocação balanceada. Como quase todas as pessoas com síndrome de deleção 22q13 (síndrome de Phelan-McDermid), ele perdeu muito mais que um gene. O que exatamente isso significa?

DNA e genes

Cada gene é feito de muitas “bases”. O DNA tem duas fitas (correntes) que se agarram com força. Imagine um monte de ímãs dispostos em uma corrente como um colar pérolas. Agora, em sua mente, pegue duas dessas correntes e segure-as perto uma da outra. Lentamente, aproxime-as. Quando elas se aproximam, os polos norte dos ímãs de uma corrente começam a encontrar os polos sul da outra corrente. Quando os ímãs se unem, os polos opostos se unem. Em qualquer ponto onde o norte fica voltado para o norte, ou o sul fica voltado para o sul, esse par se repelirá até que um se vire e os opostos se unam. O DNA é feito de correntes químicas que possuem polos opostos. Esses opostos encontram seu parceiro e as duas fitas de DNA se unem. Cada vez que um norte encontra um sul, você obtém um “par de bases”.

Os ímãs podem fazer apenas um tipo de parceria (norte atraído pelo sul). O DNA, na verdade, tem dois tipos de parcerias a partir de quatro bases químicas. As bases são abreviadas como T, A, G e C. T e A se atraem. G e C se atraem. Se você fizer uma corrente como esta: -T-A-G-G-C-A, a corrente correspondente sempre será parecida com esta: -A-T-C-C-G-. Ou seja, as correntes se prendem umas às outras desta maneira:

-T-A-G-G-C-A-
-A-T-C-C-G-T-

 Voilà! Você tem uma fita pequena de DNA. Este DNA em miniatura tem 6 pares de bases. A ordem dos pares de bases descreve a proteína que esse segmento de DNA produz. A parte inferior é uma espécie de espelho da parte superior. Se você sabe o que está em uma corrente, você sempre pode descobrir a outra corrente. Assim, agora conhecemos um monte de propriedades do DNA: 1) A sequência de pares de bases descreve como fazer uma proteína, 2) O DNA está fortemente preso a si mesmo, 3) O DNA mantém uma cópia espelho de si mesmo disponível o tempo todo, e 4) o comprimento do DNA pode ser medido contando o número de pares de bases. Há muito mais a aprender sobre o DNA, mas isso é o suficiente para discutir o tamanho do gene.

 

Grandes genes são mais fáceis de encontrar

Em uma postagem anterior, expliquei que 95% de todas as pessoas com síndrome de deleção 22q13 perderam menos 1 megabase (Mb) de seu cromossomo (consulte Compreendendo o tamanho da deleção). 1 Mb significa 1.000.000 (1 milhão) de pares de bases ao longo das duas fitas paralelas de DNA. Genes são segmentos destas longas correntes, como os capítulos de um livro. E, como muitos livros, alguns capítulos são longos e outros são curtos. Existem 32 genes na porção distal de 1 Mb da região 22q13, muitos dos quais influenciam a função cerebral. As síndromes de deleção cromossômica são inerentemente difíceis de estudar porque muitos genes estão envolvidos. Já é difícil estudar e entender o impacto da perda de um único gene. É muito mais difícil estudar e entender a síndrome de deleção 22q13, onde muitos genes estão ausentes.

Este problema com o estudo de múltiplos genes não é exclusivo da síndrome de deleção 22q13. Ele aparece em transtornos neuropsiquiátricos como autismo e esquizofrenia, cada um dos quais com centenas de genes com “fatores de risco” associados. O autismo, por exemplo, resulta de várias combinações desses muitos genes (ver revisão de Gratten et al., 2014). Deleções cromossômicas são conhecidas por operar de maneira semelhante (veja a síndrome de genes contíguos). Cada gene ausente enfraquece o funcionamento normal do cérebro. Nenhum gene precisa ser “dominante” para que a perda combinada seja devastadora, especialmente quando tantos genes relacionados ao cérebro estão faltando ao mesmo tempo.

Nem todo mundo pensa na síndrome de deleção 22q13 dessa maneira. Muito do pensamento atual sobre os genes perdidos na síndrome de deleção 22q13 concentra-se em um ou dois genes que codificam proteínas sinápticas. O termo “sinaptopatia” tem sido muito usado recentemente, mas essa palavra tem origem do estudo do ouvido interno, onde eles são capazes de demonstrar claramente a relação entre a função sináptica e a perda auditiva (Sergeyenko et al., 2013). A relação entre genes e função não é tão clara na síndrome de deleção 22q13. As sinapses estão envolvidas, mas a sinapse pode ser apenas um local de disfunção (ver A síndrome de deleção 22q13 é uma ciliopatia?). Por muitos anos, ninguém pensou que os cílios primários fossem importantes. Agora, as ciliopatias são um tipo reconhecido de disfunção cerebral, apesar do fato de que as sinapses também estão envolvidas. A ciência frequentemente segue na direção errada; faz parte do processo. Outra coisa a lembrar sobre a síndrome da deleção 22q13 é que é um distúrbio do neurodesenvolvimento. Algo dá errado durante o crescimento e maturação do cérebro. Há tantas coisas que podem dar errado com poucos ou muitos neurônios se conectando entre dois locais no cérebro, neurônios se conectando a lugares errados, proporções erradas de neurônios excitatórios e inibitórios, etc. O desenvolvimento neural humano é um dos processos mais complexos no reino animal. Erros no neurodesenvolvimento não são apenas problemas com sinapses.

Há outro motivo para os genes sinápticos terem recebido destaque. Os genes sinápticos na região 22q13 são genes relativamente grandes. Este é o tema do nosso blog.

Em geral, grandes defeitos são mais fáceis de notar do que pequenos. Se olharmos para a história da síndrome de deleção 22q13, os primeiros casos foram descobertos em pessoas com deleções muito grandes e com o fenótipo mais “grave” (sintomas). Conforme a pesquisa na síndrome de deleção 22q13 avançava, deleções cada vez menores foram identificadas e estudadas. O gene que chama mais atenção é um gene grande que tem um grande efeito quando interrompido. Então, por que o tamanho importa?

Genes perdidos em uma deleção de 1 Mb na região 22q13 classificados por seus tamanhos (tamanho do mRNA).

O gráfico de pizza mostra os 32 genes que estão faltando em cerca de 95% dos pacientes com síndrome de deleção 22q13. Os genes são classificados em ordem de tamanho. O maior gene é SBF1 e o segundo maior é SHANK3. Os genes continuam em ordem decrescente de tamanho no sentido anti-horário. Embora a realidade seja um pouco mais complexa, geralmente é verdade que a probabilidade de um gene ser modificado acidentalmente, ou de outra forma interrompido, depende do tamanho do gene. Este gráfico mostra que os 10 maiores genes respondem por metade do DNA “codificador de proteínas” no primeiro 1 Mb. Em outras palavras, você tem duas vezes mais probabilidade de interromper o SHANK3 do que o vizinho MAPK8IP2, simplesmente porque o SHANK3 é duas vezes maior. SHANK3 é 16 vezes maior que SYCE3. Portanto, ao estudar a interrupção do gene, o SHANK3 pode aparecer com mais frequência simplesmente porque é grande. Os cientistas estão cientes desse efeito de tamanho. Eles desenvolveram pontuações para  a interrupção de genes levando em consideração o tamanho de um gene (isto é, um índice de intolerância à perda de função, pLI).

Como observei acima, ninguém estudou cuidadosamente o impacto de uma deleção completa do SHANK3 sem interromper outros genes envolvidos no desenvolvimento e função do cérebro. Pode parecer surpreendente, mas um gene danificado pode, na verdade, ter um impacto mais severo em comparação com a deleção total do gene (consulte Quando perder um gene é uma coisa boa). Uma variante patogênica do SHANK3 (uma versão atípica e prejudicial do gene geralmente resultante de um dano) pode contribuir para a síndrome de deleção 22q13, especialmente quando SHANK3 é o único gene afetado. Mas a contribuição de SHANK3 para a síndrome de deleção 22q13, quando muitos genes estão ausentes, permanece mal compreendida. Existem outros genes 22q13 que têm consequências graves no desenvolvimento neurológico após sua deleção, independentemente de o SHANK3 estar ou não envolvido. Blogs futuros discutirão alguns desses genes em detalhes.

A mensagem para levar para casa é que certos genes têm maior probabilidade de passar por um microscópio (literal e figurativamente) simplesmente porque são genes maiores. Ser grande torna um gene mais fácil de estudar (geralmente), mas não necessariamente confere importância. Medidas como pLI foram desenvolvidas para separar tamanho de importância. Essa medida foi usada em um estudo sobre a síndrome de Phelan-McDermid que é discutido no blog (Quais genes PMS são mais importantes?).

Quando um gene se populariza na literatura científica, muitos artigos são publicados sobre esse gene, pelo menos por um tempo. Os cientistas se concentrarão nos genes que lhes dão bolsas e publicações. É assim que a ciência normalmente funciona, mesmo que não seja necessariamente a melhor abordagem para encontrar tratamentos eficazes de que as famílias realmente precisam. A direção da ciência pode ser influenciada por grupos de pacientes, mas escolher a direção certa requer um conhecimento profundo da ciência (o estado atual da pesquisa), ciência (a disciplina) e cientistas (que fazem ciência).

 

Andrew Mitz

Andrew Mitz

Neurocientista e pai do David, que tem a síndrome da deleção 22q13 (que nós chamamos de Síndrome de Phelan-McDermid). Andrew é incansável na tarefa de levar, de forma precisa, mas acessível para leigos, conhecimento sobre a Síndrome para os familiares. Ele tem contribuído enormemente com suas ideias e publicações para o avanço do entendimento em PMS.

Esta é uma tradução autorizada pelo autor.
A tradução é de Helen Ferraz, mãe de Luísa, que também tem a Síndrome de Phelan-McDermid.

Link para o post original:
https://arm22q13.wordpress.com/2015/07/14/understanding-gene-size/

Link para o blog original (Blog arm22q13)
https://arm22q13.wordpress.com/